24/11/09

Meio-dia, mundo inteiro

Meio-dia em ponto em Caxias do Sul. Nesta cidade brasileira, cuja praça homenageia o italiano Dante Alighieri, um músico peruano, calçando tênis de grife americana mas certamente fabricado na China, toca na flauta de Pã (que alude a um mito grego) uma canção do Abba, velho grupo pop sueco. Por um instante, minha mente de passagem percebe o mundo-vasto-mundo em torno daquele homem de traços ameríndios. Brasil, Itália, Peru, Estados Unidos, China, Grécia, Suécia: tudo junto num meio-dia de sol de outono. Ao som da flauta, acompanho o caminhar do fotógrafo da praça, carregando o cavalinho de brinquedo, sobre o qual as crianças são retratadas. Deve estar indo almoçar, penso. E sou conduzido pelo som do índio a um passeio em espírito pelo mundo.

Meio-dia em Caxias do Sul, onze da noite em Beijing. Na capital chinesa, também conhecida como Pequim, o escapamento de uma moto rasga o silêncio da rua. Um casal desce em frente ao fast-food de nome americano. Os dois jovens pedem sanduíches, batatas fritas e Coca-Cola. Falam ao mesmo tempo, de boca cheia, riem na mesa de madeira em tons de laranja. Se pudesse entender o mandarim, eu, ali em espírito, saberia que fazem planos para o casamento, na temporada de férias, em outubro. Entenderia que ela diz que quer casar de branco, e não de vermelho, como na tradição.

Meio-dia em Caxias do Sul, sete da manhã em Vancouver, Canadá. Uma névoa encobre a paisagem lá fora. O homem calvo olha a janela, pragueja baixinho. Deseja que a primavera se firme logo, que ponha fim a esse tão denso inverno. No armário da pia em que lava o rosto com água quente, percebe, como todo dia, há meses, a outra escova de dentes dependurada, ao lado da dele. Pensa em jogar fora. Mas não: é melhor deixá-la ali. Se a dona da escova voltar para casa, mesmo que não a use mais, é bom que saiba que tudo ali ficou igual, esperando por ela.

Meio-dia em Caxias do Sul, três da tarde em Arles, França. Os ciprestes e pinheiros irradiam a luz perfeita para o que anseia a senhora ruiva. É uma artista plástica e tira da mochila o restante do material, posicionando tudo ao lado do cavalete portátil já montado na alameda de entrada dos Alyscamps. Veio da Suíça especialmente para pintar naquele cemitério de origem romana e que outrora serviu de cenário para os mestres Gauguin e Van Gogh. Turistas japoneses param em volta dela, clicam fotos, filmam. Ela tenta ignorá-los. Só pensa em captar o mistério das tumbas antigas. Quer pintar uma morte plástica.

Meio-dia em Caxias do Sul, seis da tarde em Mogadíscio, Somália. A mulher negra tem os olhos fundos e fita na esteira o corpo da criança morta. Aqui e ali, afasta, com a mão lenta, moscas insistentes. Crianças correm pelo sujo casebre de subúrbio, algumas choram, outras chupam os dedos magros. A mulher não pranteia a morte do filho recém-nascido, apenas observa o pequeno cadáver. É a quarta vez que isso acontece, que sua cria não vinga. Viver é sorte, talvez pense. Espera o homem voltar do trabalho. A mãe chega com um feixe de ervas e começa a entoar cantos sagrados. A noite se instala.

Meio-dia em Caxias do Sul, uma da madrugada do dia seguinte em Melbourne, Austrália. O jovem sai da boate, sozinho. Sente sede, muita sede. Ali perto está o mar, planeja caminhar, mas lembra que a água do mar é salgada. O som experimental da boate ainda ecoa em sua cabeça. Onde deixou o carro? Ou não veio de carro? Onde diabos foi parar a Nancy? Inglesa estúpida!, xinga alto. Senta na calçada, sob o charmoso poste de luz. Água, precisa de água. A mente é um torvelinho, bagulho poderoso aquele. Respira fundo, toma pé, e decide voltar para a boate. O porteiro barra a entrada. O jovem sai outra vez. E desmaia na calçada.

Meio-dia em Caxias do Sul. O fotógrafo do cavalinho some ao dobrar a esquina. O som da flauta do índio também desaparece entre buzinas e acelerações do trânsito. Eu entro num bufê a quilo, hora do almoço. O espírito retorna da viagem, mas percebo que o mundo continua comigo, agora ali, na mesa. Azeite espanhol, pimenta mexicana, molho inglês, massa italiana, peixe à portuguesa...

(Nivaldo Pereira, em Mapa-múndi)



P.s: Apareceu a margarida, hahaha!
É, eu sumi. Mas foi por falta de sei lá o quê...
Talvez de ânimo, de entusiasmo. Mas tudo bem, o que importa? Eu estou aqui e sempre estive, de certa maneira. Espero que estejam bem, amigos blogueiros.
Sabe aqueeela minha promessa? Aquela, gente, de postar outra crônica do livro Mapa-múndi, do Nivaldo Pereira? Então, estou cumprindo hoje. É que, confesso mais uma vez, dá uma certa preguiça de digitar a crônica, sabe? Mas é uma preguiça de começar a digitar; depois de começar... ah, dá um gosto danado de digitar o livro todo pra vocês lerem. Vale muito a pena.
Por hoje é só. Deixo o meu abraço carinhoso a todos.
Vou tentar não sumir, afinal amo isso aqui. Não posso deixar entregue assim, tão abandonado o meu querido blog... O meu divã, onde eu enlouqueço e desenlouqueço.
Ah! Só pra vocês saberem (alguns já sabem, mas tudo bem...). Com o texto anterior, ganhei em segundo lugar no Blorkutando (uhuuuul!). Adoro essas conquistas bloguísticas, adoooooro!
Até mais ver, blogueiros que tanto gosto.

33 comentários:

  1. Amiga,
    como o Nivaldo escreve bem!!
    Que texto bom e gostoso de se ler! VC fez bem em postar mais umas linhas dele pra nós, obrigada.
    Meu beijo!!

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  2. Nunca tinha lido crônicas do Nivaldo e ameeiii demais essa. Que coisa louca é o mundo hein? Tudo tão interligado sempre...

    Um bjão querida!

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  3. Nossa, se já disse volto a repetir: tenho que ler esse livro do Nivaldo! Que louca viagem...

    Cada vez mais descubro que até em momentos de estresse ler me faz bem. Incrível poder das palavras!

    Valeu Ericona por compartilhar um pouco do teu livro escrito por esse maravilhoso autor. E espero que consigas dar "pernas e pés a tua mente".

    Beijo
    ;*

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  4. Ótimo texto!
    Muito legal mesmo.
    Minhas aulas sobre globalização ganharam um importante aliado.
    Quantos mundos num mesmo mundo. Quantas semelhanças e diferenças tudo ao mesmo tempo.

    Abraços.

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  5. PROTESTOOOO!!!!

    Eu tava pensando em postar essa crônica no blog! Simplesmente adoro ela... Mas pelo jeito vou ter que escolher outra...

    Ah, O Nivaldo é o Nivaldo... Inigualável...

    Beijoo

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  6. É a tal da globalização...

    saudades de teus textos por aqui...

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  7. pior que essa cronicas do Nivaldo tem o seu lado de humor, mas tbm tem o seu lado sério, o que aborda os dramas da vida e te faz pensar fiquei surper grilada com isso :/

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  8. meniiina, vais me deixar louca por nivaldo. tem site dele? ou de editoras com livros dele publicados? vou já comprar o mapa-mundi aheuhae

    e adoro essa coisa de repetir o inicio dos parágrafos.. é tão.. TÃO! aheuaheu

    beijão, érica ;*

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  9. o texto estava tão bom que achei que fosse teu mesmo

    tem certeza que não é?

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  10. Erica, que texto mais gostoso de se ler. Eu tenho um que se chama Somos Todos Vira-latas, que falo disto: de sermos todos negros, italianos, franceses. E que estamos ligados de algum modo. Lindo texto mesmo, este do Nivaldo!!

    Parabéns pelo segundo lugar!!! Podium. Eu sempre gostei de medalha de prata...

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  11. O Nivaldo é sempre genial! Adoro as crônicas dele!
    Essa daí ficou mto boa mesmo. É aquela coisa de cada um ter um pouco da cultura do outro.
    Adorei! *-*
    Bjooss
    P.S: ah, parabéns pelo 2º lugar no Blokurtando!

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  12. Nossa, lindo o texto, muito criativo...
    Bela escolha, Erica!
    \o/

    ^^

    beijos, flor

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  13. Parabéns pelo blog.. estou seguindo!
    Quando der dá uma passada la no "O Balé das Almas"
    Bjão..

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  14. O nivaldo trata de temas muito bons, de uma forma gostosa de ler. Essa é a magica da cronica!

    ameei ;*

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  15. Que incrivel! Adorei. E haja sincronia. HAHA :) E quando for Meio-dia em ponto no Brasil, duas da tarde em Londres, aonde eu estarei tomando um gostoso café na Starbucks. *-*

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  16. Que interessante a crônica, Erica, a ideia de que o mundo gira o tempo todo, de que há muito mais do que nossos olhos vêem e nossa imaginação alcança...a vida é fantástica, mesmo! =)

    * Não some, mesmo, moça. A gente fica com saudades. ;)

    Beijos, lindona.

    ℓυηα

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  17. haha, concordo plenamente com o primeiro comentário, e já li uma crônica dele no Divã. Já postastes lá uma crôica dele, né? '-'

    e não some nãaaao! :)



    http://colunadacary.zip.net

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  18. de valor- adoro

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  19. Nossa, que amiga desleixada eu, nem vi que vc ganhou em 2º essa semana! Parabéns atrasados então!
    \0/
    E.. você não é a única a quem falta um 'sei lá o quê'. Também ando com a cabeça que é uma confusão só...

    Gostei muito da crônica, tava até achando que era vc que tinha escrito (sem mentira). Mas, será que esses textos você não acha na net já digitados não? To meio por fora, não sei quem é esse Nivaldo, mas, sacanagem vc ter que ficar digitando tudo, heim? Ainda bem que vc gosta...

    Tomara que esteja tudo em ordem com você e seu coraçãozinho... Obrigada pro sempre passar lá pra 'prestigiar' meus humildes posts (huahauahua! :DD Falsa modéstia!).

    Beijão, Sacudidora!

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  20. Juro que achei o Nivaldo GENIAL depois de ter lido esse texto! *-* até joguei o nome dele no Google *-* suahsuahsuahsuah

    Beijobeijo :*/ ah, e parabéns à nós pelas nossas vitórias! Rs'

    Beijo :*/ agora é de vez/ minha melhor amiga internáutica *-* shuashuasha

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  21. Erica,

    Obrigada.... esse foi "o texto".... gostei desse mapa mundi do Nivaldo....

    Você é uma linda, como sempre.... e escreves divinamente, parabéns pelo prêmio, parabéns pelo texto lindíssimo !!!!!

    beijão

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  22. Amei o texto! Quando eu era pequena, ficava pensando assim "Nossa, enquanto eu tô aqui assistindo TV, tem gente dormindo, comendo, sofrendo, morrendo, nascendo, viajando..." ás vezes até comentava com a minha mãe, mas ninguém dá muita bola pra conversa de criança, né? Haha, poste sempre coisas legais assim! Beijo.

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  23. Nossa, quanto mundo pode caber dentro de um único momento. rsrs... Adorei a crônica. =)

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  24. Ericuxa, voce transcreveu TUDO ISSO? HAHAH por isso que voce é foda. u_u uhauahuahauhauhauahuaha

    ah... eu fiquei tão dando pulinhos por dentro por voce ter ficado em segundo.. acho bom participar de outra e calar a boca de quem nao te pôs em primeiro hahah uahuahauha
    beijos, linda.

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  25. olá Érica, sumi mais voltei, adorei a crônica, um forte abraço!!!

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  26. Espetacular. Que texto maravilhoso, menina. Haja 'sicronicidade', rs. Esse Nivaldo Pereira mandou muito bem. E você mais ainda postando este texto aqui.

    Beijos

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  27. Confesso que fiquei com preguiça de ler, quando eu vi que não era texto seu :P mas comecei a ler e, na metade, não conseguia mais parar. Esse cara é bom! Essa cara é muito bom!

    (e vc tbm :D não dos deixe).

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  28. parabéns pelo segundo lugar!!! ^^
    ah, eh tão ruim fikar sem postar neh?? xD
    bjusss

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  29. ''Parabéns!!! Seu blog está concorrendo ao The Best GB 2009. São 10 blogs participantes. Destes, os 3 blogs com maior quantidade de votos, serão premiados com o Troféu The Best GB 2009. A votação encontra-se na página principal da Gazeta dos Blogueiros e se encerra em 1 semana. Faça a sua campanha! Boa sorte!

    Gazeta dos Blogueiros ''



    Queridos amigos,



    Já que estamos concorrendo a esse prêmio, gostaríamos muito da sua participação votando na gente. Sempre é um prazer fazer parte de qualquer tipo de interação onde o prêmio é o reconhecimento daquilo que fazemos com amor.



    Pra votar:



    Clica aqui!




    -

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  30. O mundo inteiro passa ao nossos olhos.!

    Beijooooos

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  31. Erica,

    O prêmio é NOSSO, pode ter certeza disso. São pessoas queridas que nos presenteiam com esse afeto todo.

    Agradecemos o seu voto, menina linda.

    Beijo imenso.

    Rebeca


    -

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  32. Olha, gostei mesmo. É um assunto que me entristece toda vez que surge, porque sempre me dá vontade de protestar com o maldito que idealizou a raça humana por nos libertar tanto a mente e limitar tanto a visão. Os homens seriam melhores se tivessem a habilidade de ver como o mundo é diferente em cada um e em cada lugar, todo o tempo.


    bjos

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