Hoje estou com vontade de escrever. Mas é muita vontade mesmo. Uma porção de possíveis temas me passou pela cabeça. Passei o dia inteiro com essa vontade de escrever, mas só parei pra transformar essa vontade em realização agora. Sei lá por que, deve ser resquício da mania de procrastinar.
Estava relembrando uma ocasião de alguns dias atrás, no qual vivenciei momentos agradáveis, e a vida se apresentou a mim leve feito pluma. Poderia dizer também que ela se mostrou a mim doce como a brisa do mar ao final de um dia quente.
Imagina, estou eu num consultório médico pra realizar uma consulta de rotina. Lembro-me que não estava muito amigável no dia. Algumas coisas, que já nem lembro mais o que eram, não se desenrolaram como eu esperava. Estava irritadiça e mexia no meu aparelho celular com o mesmo interesse de que se estivesse a folhear um livro de matemática: pouquíssimo interesse. Definitivamente, o dia estava ruim e o que me sobrava era tolerar o tédio e esperar por um possível dia de sol no dia seguinte.
Não foi preciso: um sol, nas feições de uma criança, se projetou na minha frente. Um menino muito doce e divertido. E é importante frisar: muito serelepe. Foi encanto à primeira vista. Ele me sorria e interagia com ele com gestos divertidos, usando a minha expressão corporal, pra vê-lo (sor)rir. Ele correspondia e ria gostosamente. Em um dado momento, ele começou a dançar sem música e eu o acompanhei no mesmo ritmo. Ele achou graça, estampou um largo e lindo sorriso em seu rosto e se pôs a dançar ainda mais alegremente.
Depois de muito correr pelos corredores da clínica, de dançar e de encantar a todos que estavam por perto com o seu sorriso tão puro e contagiante, pediu a mãe um brinquedinho e se pôs a brincar. Não lembro o que era um brinquedo. Acho que era um bonequinho. Eis que surge, então, uma menininha, tão pequenininha quanto o cabelinho de anjo. Ambos deveriam ter menos de dois anos de idade.
Mas aí é que se dá a cena mais fofa de todas:
A menininha estava interessada em pegar o bonequinho do cabelinho de anjo. A mãe do cabelinho de anjo disse a ele que o menininho deveria compartilhar do seu brinquedo com a sua nova amiguinha. Um pouco contrariado, só um pouco, porque ele era muito fofo, estendeu a sua mãozinha pequenininha e deu o seu brinquedinho a bebê de cabelos pretos, notoriamente uma menininha decidida. Explico o decidida daqui a pouco. A menininha, depois de ter conseguido o brinquedo, voltou para o colo da mãe, e o cabelinho de anjo ficou olhando pra ela, como se dissesse "Ei, vem cá! Te emprestei o brinquedo pra você brincar aqui, não pra levar com você...". Percebendo que o cabelinho de anjo não parava de olhar, a mãe da menininha decidida a levou pra devolver o brinquedo. A menininha não queria devolver. O cabelinho de anjo, como um menininho muito paciente, não fez drama com as hesitações da menininha em devolver o seu brinquedo. Quer dizer, ele suportou, bravamente, durante as quatro vezes que a mãe da menininha pediu pra ela devolver o brinquedo. Quando ela assim o fez, choramingando, o cabelinho de anjo estava um pouco chateado e pegou o seu brinquedinho com as suas duas mãozinhas gordas, como se o estivesse protegendo, e toda vez que a menininha se aproximava dele e do brinquedo, ele fugia dela.
Não sei por que fiquei tão deslumbrada com essa cena, com essas fofurinhas em forma de crianças. Talvez porque era pra ficar mesmo. Quando vi aquele menininho, com cabelo enroladinho, tipo anjinho, sorrindo pra mim e correndo, com a sua energia inesgotável de criança, sumiu toda a gama de sentimentos ruins que eu estava sentindo antes.
Aqueles dois menininhos, no auge dos seus quase dois anos de idade, foram um bálsamo naquela minha tarde cinza.
Sabe, a vida é isso mesmo: essa coisa louca que nos coloca pra baixo e depois nos chuta pra cima; e posteriormente nos chuta pra um lado, só pra em seguida nos colocar nos eixos de novo.
Entre esses sacodes à la Mike Tyson que a vida nos dá, há também a beleza singela do sorriso e do riso das crianças, há um arco-íris tímido em um dia de chuva, que te faz pensar que é uma sacanagem não ter um pote de ouro no fim dele, mas depois acaba se consolando porque o arco-íris por si só é bonito pra caramba.
Não há só desgraças, entende? Há também os momentos bons. E, puxa vida!, quando digo momentos bons não falo dos momentos fabulosos, glamourosos, gigantescos, marcantes, que a maioria das pessoas reconhece como tais momentos.
Um momento bom pode ser um encontro casual num ônibus lotado com um amigo que não se via há meses e que, por benevolência do destino, os juntou numa mesma lata de sardinha (ê, beleza, todo mundo tirando onda de Newton e provando que sim, dois corpos podem ocupar, meio desajeitadamente, um mesmo espaço), pra que a viagem se tornasse menos entediante e irritante possível.
Essa tarde, observando a pureza dessas crianças, foi memorável pra mim. Sei lá, fiquei tão feliz depois de conhecer o cabelinho de anjo, que conquistou meu coração e que eu queria que fosse meu familiar, meu vizinho ou coisa que o valha, pra que pudéssemos nos ver outras vezes e eu ter a chance de fazê-lo rir e ele, me encher a vida de luz e alegria com o seu riso.
Quando saí da consulta, não pensei duas vezes: dei um abraço de "até logo" no cabelinho de anjo. Ele ficou tímido, mas gostou. Acenei pra ele, ao que fui retribuída. E assim fui pra casa, com o ânimo revigorado, o coração leve, pensando que a vida é doce como batata doce. Mesmo porque em alguns momentos ela é. A exemplo desse dia, em que conheci cabelinho de anjo, que é mais doce do que doce de batata doce.
É um assunto batido, clichê pra cacilda, mas não ligo em relembrar os clichês. Se algumas pessoas parassem pra dar uma rememorada nos clichês, ouso dizer que a vida delas seria, ao menos, um pouquinho melhor, mais feliz.
É sabido por todos, todos mesmo, que a vida não é um mar de rosas, mas também não é a treva que alguns teimam em pintar e se enfiam nela todos os dias, um pouco mais a cada dia.
A vida é o que a gente faz dela. Tudo bem que os acidentes e incidentes de percursos existem e sempre vão existir, mas é inegável que a vida não muda se a gente não mudar, se a gente não entender que se arriscar é preciso para se sentir vivo.
De coração, não adianta passar a vida esperando que algo grande aconteça se nós não formos à luta. E, para sermos felizes, não precisamos de acontecimentos monumentais para darmos o primeiro passo. Precisamos, sim, dar o primeiro passo em forma de atos sinceros e altruístas. O primeiro passo deve ser dado já, honrando a vontade que se tem de fazer algo belo e produtivo acontecer.
Teorias são importantes e interessantes, mas é na prática que as coisas são formadas, reformuladas e repensadas. Precisamos largar essa mania de criar planos mirabolantes de como a nossa vida deveria ser. Precisamos, na verdade, é de ousadia, força e de confiança em nós mesmos e em nossos projetos para fazermos o que queremos fazer nesse momento.
A vida não é um bicho de sete cabeças. A vida é bem simples, se dá de forma singela. É tanto, que poucos percebem suas nuances doces, belas e acalentadoras.
Como não poderia ser diferente, nós, os seres humanos, somos responsáveis pelo desandar do mundo.
Quando finalmente começarmos a nos mudar, em sermos melhores para nós mesmos e para quem vive em nosso entorno, conseguiremos ver a vida como ela realmente é.
Erica Ferro
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Um abraço carinhoso da @ericona.
Hasta la vista!