Idéia maluca para uma crônica: fazer um inventário das cicatrizes. Há várias espalhadas pelo corpo, cada qual com sua história. A maioria veio da infância, é claro. É ali que a inocência das atitudes e intenções se soma ao jeito naturalmente estabanado das crianças, e o resultado são violações nos limites da pele. Fica para sempre o carimbo da nossa insensatez.
Cicatrizes são também registros de nossas transgressões. Sem contar as comuns marcas de vacina, ganhei a minha primeira com uns sete anos. Um profundo corte no pé esquerdo. Não lembro mais o motivo, mas naquela tarde me desentendi com a turma de moleques e decidi seguir por outro caminho, num terreno baldio tomado pelo mato. Fui correndo, que era para chegar primeiro e tirar vantagem com minha opção de não seguir a maioria. Não senti quando pisei na lança brilhante de um fundo de garrafa, apenas a sensação de estar vazando pelo pé. A dor se anuncionou somente quando percebi o rastro lá atrás - o meu sangue pintando uma trilha vermelha no mato verde.
O acidente mudou o plano de todos. Não demorou e estávamos na farmácia, eu levando pontos no pé, humilhadíssimo pelos olhares a me dizer: "Quem mandou você ir por ali?" Essa cicatriz ficou como uma tatuagem da culpa por ousar inventar trilhas sem o aval do bando. Ela foi o preço da minha desobediência.
A marca seguinte adquirida resultou da força do meu irmão. Nos brinquedos de ferro da praça, ele puxou com tudo uma trave para cima, sem notar minha perna encostada no mastro. Não sangrou, mas a luxação dolorida e roxa transformou-se num calo oval permanente na coxa direita. Dali em diante, eu fazia questão de sempre lembrar que ele tinha sido responsável por aquele dano em mim. Um verso do poeta Cacaso diz que cicatrizes não se transferem, mas eu bem que tentei ao menos compartilhar a minha.
Há na mesma coxa a marca de um corte de gilete. Naquele dia a parede seria pintada, e eu retirava com a lâmina os pôsteres de artistas colados no quarto. Viajava nas cenas e caras saídas da televisão, lamentando jogar fora aquelas imagens. De repente, um gesto brusco, e um risco vertical na perna. O sangue salpicou no chão, tingindo os sorrisos de Tarcísio Meira e Glória Menezes nos recortes atirados. Ficou a lição de nunca mais deixar a fantasia me arrebatar quando a realidade me exigir muita atenção.
Mais abaixo, na canela direita, oculto entre pêlos, há o carimbo de uma infeliz pulada de cerca. Por que cruzar o arame farpado por baixo feito um frouxo, se poderia fazer das linhas metálicas uma escada e saltá-la? Esse era o meu argumento infantil. Mas a cerca reafirmou suas funções óbvias, e eu voltei para casa com mais essa seqüela dos meus atrevimentos.
Pensando bem, há mais cicatrizes pelo corpo do que cabe relatar neste inventário. Há a saliência de um rasgo de prego no braço, outra na omoplata esquerda, provocada ridicularmente por um beliche que desabou em cima de mim, há a sombra de um furo de ponta de lápis na palma da mão e muitas raladuras nos cotovelos. Todos evocam dores e aprendizados, que dificilmente esquecerei. Por isso, convido você, leitor, a conferir suas próprias cicatrizes e a perceber que lembra exatamente de como cada uma delas surgiu. São impressões do tempo, esculpidas na carne, para que ninguém jamais esqueça as lições da dor.
Cicatrizes são também registros de nossas transgressões. Sem contar as comuns marcas de vacina, ganhei a minha primeira com uns sete anos. Um profundo corte no pé esquerdo. Não lembro mais o motivo, mas naquela tarde me desentendi com a turma de moleques e decidi seguir por outro caminho, num terreno baldio tomado pelo mato. Fui correndo, que era para chegar primeiro e tirar vantagem com minha opção de não seguir a maioria. Não senti quando pisei na lança brilhante de um fundo de garrafa, apenas a sensação de estar vazando pelo pé. A dor se anuncionou somente quando percebi o rastro lá atrás - o meu sangue pintando uma trilha vermelha no mato verde.
O acidente mudou o plano de todos. Não demorou e estávamos na farmácia, eu levando pontos no pé, humilhadíssimo pelos olhares a me dizer: "Quem mandou você ir por ali?" Essa cicatriz ficou como uma tatuagem da culpa por ousar inventar trilhas sem o aval do bando. Ela foi o preço da minha desobediência.
A marca seguinte adquirida resultou da força do meu irmão. Nos brinquedos de ferro da praça, ele puxou com tudo uma trave para cima, sem notar minha perna encostada no mastro. Não sangrou, mas a luxação dolorida e roxa transformou-se num calo oval permanente na coxa direita. Dali em diante, eu fazia questão de sempre lembrar que ele tinha sido responsável por aquele dano em mim. Um verso do poeta Cacaso diz que cicatrizes não se transferem, mas eu bem que tentei ao menos compartilhar a minha.
Há na mesma coxa a marca de um corte de gilete. Naquele dia a parede seria pintada, e eu retirava com a lâmina os pôsteres de artistas colados no quarto. Viajava nas cenas e caras saídas da televisão, lamentando jogar fora aquelas imagens. De repente, um gesto brusco, e um risco vertical na perna. O sangue salpicou no chão, tingindo os sorrisos de Tarcísio Meira e Glória Menezes nos recortes atirados. Ficou a lição de nunca mais deixar a fantasia me arrebatar quando a realidade me exigir muita atenção.
Mais abaixo, na canela direita, oculto entre pêlos, há o carimbo de uma infeliz pulada de cerca. Por que cruzar o arame farpado por baixo feito um frouxo, se poderia fazer das linhas metálicas uma escada e saltá-la? Esse era o meu argumento infantil. Mas a cerca reafirmou suas funções óbvias, e eu voltei para casa com mais essa seqüela dos meus atrevimentos.
Pensando bem, há mais cicatrizes pelo corpo do que cabe relatar neste inventário. Há a saliência de um rasgo de prego no braço, outra na omoplata esquerda, provocada ridicularmente por um beliche que desabou em cima de mim, há a sombra de um furo de ponta de lápis na palma da mão e muitas raladuras nos cotovelos. Todos evocam dores e aprendizados, que dificilmente esquecerei. Por isso, convido você, leitor, a conferir suas próprias cicatrizes e a perceber que lembra exatamente de como cada uma delas surgiu. São impressões do tempo, esculpidas na carne, para que ninguém jamais esqueça as lições da dor.
(Nivaldo Pereira)
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P.s: Gente! Lembra que eu falei do Nivaldo aqui? Que ele me enviou um livro de autoria dele, autografado e tudo o mais? Lembra, também, que eu prometi postar uma crônica do livro aqui? Então, essa é apenas uma das muitas que eu adorei e queria compartilhar com vocês.
Amanhã, provavelmente, não terei como ver os comentários, as atualizações. Enfim, será um dia longe do blog - a internet que uso sairá do ar; reajustes, coisas assim, que serão feitos.
Mas segunda estou por aqui de novo!
Quero agradecer a todos que tem me visitado, deixado lindos comentários e, claro, agradecer aos novos seguidores.
É muito bom ver que o blog a cada dia cresce mais e mais.
Ah! Hoje foi meu dia no Divã cor de rosa. Passem lá e vejam meu post.
Obrigada a todos.
Ótimo domingo pra vocês.
Grande abraço da @ericona (propaganda do meu twitter de novo!).
Amanhã, provavelmente, não terei como ver os comentários, as atualizações. Enfim, será um dia longe do blog - a internet que uso sairá do ar; reajustes, coisas assim, que serão feitos.
Mas segunda estou por aqui de novo!
Quero agradecer a todos que tem me visitado, deixado lindos comentários e, claro, agradecer aos novos seguidores.
É muito bom ver que o blog a cada dia cresce mais e mais.
Ah! Hoje foi meu dia no Divã cor de rosa. Passem lá e vejam meu post.
Obrigada a todos.
Ótimo domingo pra vocês.
Grande abraço da @ericona (propaganda do meu twitter de novo!).
Eu dou uma força! é das idéias mais loucas que surgem as mehores coisas1 e vai dar uma boa história!
ResponderExcluirCarambaa... onde é que ele NÃO tem cicatriz?
ResponderExcluirrss..
Ah..Tbm eu acho bestas algumas coisas que escrevo...Acho q isso deve ser normal!!!
ResponderExcluirDa-lhe Vasco!!!
Boa cronica...Que chique vc..ganhar livro autografado e td..rsrs..Bjss
Hum, muito legal esta crônica. eu adoro crônicas. ^^
ResponderExcluirAcho que não tenho nenhuma cicatriz... Aliás, tenho só uma de vacina (minha cicatrizes são mais na alma... que triste! rs)
Estou leno o mesmo livro que você! Dom Casmurro. terminou Marley e EU?!
Bem legal, Erica! No momento só me lembro das cicatrizes que trago na alma e no coração!
ResponderExcluirBeijãoo
Eu tenho um ano meu dedo. Foi uma pedra em cima de uma mesa. Fui apontar uma parada e quando puxei a mão de volta...
ResponderExcluirMas nem precisei de ponto...
Não tenho outras cicatrizes, que eu me lembre, apenas as que "enfeitam" o meu ego.
bjs
Sim, é uma ideia louca mesmo! Mas, como são boas as ideias loucas! *__*
ResponderExcluirTenho um montão de cicatrizes, reforçadas pela velha quelóide que faz todas serem horríveis... Não gosto de lembrar da maioria, pois remetem a meu pobre sanguinho vermelho sendo derramado.
Odeio sentir dor (tem gente que gosta, acredite!)
tenho poucas cicatrizes,
ResponderExcluirtalvez isso seja bom.ou não.
Sem comentários, adoooro o Nivaldo!
ResponderExcluirMais uma crônica excelente dele!
Até segunda então!
Beijooo
Adoro minhas cicatrizes! rs
ResponderExcluirVou lá no divã, Flor!
Adorei a crônica!!
Beijos, Poetisa!
Adorei!
ResponderExcluirNivaldo fodão! UAU
ResponderExcluirquero livro tbm, kd?
Hum... Obrigado por compartilhar esse belo texto. Coisas simples e diárias... muito legal... xD
ResponderExcluir:-P
Lendo esse texto acabaei lembrando das minhas prezepadas loucas de quando era menor, e estou rindo até agora.. hauah
ResponderExcluiradoreeei!
Beijos flor!
Ah, nunca tinha ouvido falar desse Nivaldo Pereira e nunca tinha lido nada dele, bem legal...
ResponderExcluirE sobre ficar sem passar no blog... Que coisa hein? Eu to sem computador, só nos fins de semana que entro rapidinho. Um saco! Espero você de volta, beeeeeeijos
Bem, muuuuitas cicatrizes tem ele xD...
ResponderExcluirMas a crônica está muito boa, gostei! ^^
beijo amr :*
no começo eu tava pensando: mas cm a érica era hiperativa gente... kakak, depois vi q o texto não era de autoria sua.. nossa, mt boa mesmo a crônica... hehehehe
ResponderExcluire até segundo.. vou lá no divã! xD
bjuss
grande autor! qual é o livro? eu quero, eu quero! aehuaeh adoro crônicas.. já fiz muitas.. mas parei há um certo tempo. tenho que voltar à tão boa prática.
ResponderExcluirtenho poucas cicatrizes no meu físico.. talvez só a do queixo que insiste em me perseguir aheah mas estive pensando sobre as da alma.. juro que vou parar de me ferir, juro!
beijos ;*
é as cicatrizes realmente são uma boa lição, até porque elas vão ficar lá lhe lembrando doa burrice né :/
ResponderExcluirtenho muitas que me ensinaram coisas como, verifica se a panela está quente antes de por a mão nela, olhar por onde anda, não confiar em todo mundo e outras coisas mais ^^
adorei a cronica, realmente nivaldo manda super bem né ;D~
Nossa paixão a primeira leitura.Amei o que o Nivaldo escreveu!
ResponderExcluirooh tem selinho pra ti!
bjão
eu tbm tenhu uma sicatriz no queixo de sete pontos (nossa!!) mais adoro ela beijos amada
ResponderExcluirAdorei o texto do Nivaldo! Seu blog é super sempre *-*'
ResponderExcluirbjs.
As cicatrizes falam tanto de nós...
ResponderExcluir=*
Ericona, fofa...
ResponderExcluirvaleu a pena esperar, o texto é ótimo, dá vontade de ler mais. ^^
Beijos, tenha uma semana linda.
ℓυηα
Por um lado, a vida sem cicatriz, parece que nem foi vivida com aventuras e traquinagens!
ResponderExcluirPor outro, trazem um passado, dolorido, sofrido e cheio de lembranças...
Só sei que elas fazem parte da vida e de nossa aprendizagem!
É sinal que algo aconteceu, deu um pouco errado, mas estamos vivos para contar...
beijocas e obrigada pelo carinho!
bj
Érica,
ResponderExcluirO Nivaldo é sensacional!!!
Amei ler sobre as 'cicatrizes'dele (quem não as tem? rs) e tb o modo como ele escreve é superagradável!!
Só que levei um susto danado, pq quando comecei a leitura pensei uqe o texto era seu, e depois que vi 'pêlos na perna', quase desmaiei (nem tanto, eu tb sou a própria hipérbole, como vc...), e respirei aliviada ao ver que era do Nivaldo e não seu: - ah, bom, tá explicado, pensei rs.
Vc me visitou e eu fiquei feliz: sou sim, professora de português e literatura.
Um beijão, linda!!! Boa e feliz semana.
Esteja com Deus.
Cicatrizes são histórias e por mais que para tê-las doa, eu gosto. Semana passada fiz um machucado no joelho, daquele tipo que você só faz quando é criança? Cai na rua. HAHA Mas cai bonito mesmo.. Eu mergulhei de vestido na rua, enquanto saia correndo pra não chegar atrasada no teatro.
ResponderExcluirAdorei essa crônica!
ResponderExcluirEu queria me lembrar de cada cicatriz, saber o motivo e não repetir o erro, mas infelizmente são só marcas, não sei o porque de nenhuma :/
beijo!
O tema da crônica é perfeeito.. eu amei! as cicatrizes são uma forma dolorosa de marcar a vidaa..
ResponderExcluirBeijos
Morro de medo de cicatrizes, tombos, morte e tudo mais que doi. Beijos, até que um dia consegui comentar!
ResponderExcluirexistem mesmo coisas que mudam o curso das coisas...
ResponderExcluirLindo texto minha flor o//
Bj bj e uma ótima semana !
Todo tipo de cicatriz é uma abertura de um determinado momento da vida. Gostei do trecho do livro dele, com calma vejo mais sobre esse livro.
ResponderExcluirEspero não perder contato, viu?
Beijo imenso, menina linda.
Rebeca
-
Acho que vou fazer meu inventário de cicatrizes também.
ResponderExcluir*-*
Ele nunca vai acabar,desastrada como eu sou!
HSAUEIHUE'
Beijos,
;**
"Levo comigo as marcas e cicatrizes dos combates - elas são testemunhas do que vivi e recompensas do que conquistei" - John Bunyan
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