Fingirei que vocês, meus leitores, são padres e aqui é um confessionário.
Preciso lhes contar que estou lendo Extraordinário. E está sendo extraordinária a forma como estou me identificando com esse livro. Eu já sabia que seria assim, por isso havia em mim uma mistura de medo e muita vontade de ler esse livro. É que Auggie, o personagem central da estória, tem uma deformidade facial congênita. As pessoas se chocam ao vê-lo; crianças gritam, choram e correm; adultos disfarçam o susto e agem exageradamente agradáveis com ele. À medida que leio, simulo uma conversa com Auggie e quase sempre digo “Eu sei exatamente como você se sente. Eu já passei e às vezes
ainda passo por isso...”.
O primeiro parágrafo não faz parte da confissão, como perceberam. Foi uma introdução, uma enrolação. A confissão começa agora. Acredito que a maioria das pessoas que me lê sabe que sou deficiente, mas jamais falei sobre isso do modo que farei agora: nasci com uma síndrome denominada Moëbius. Ela me causou paralisia facial bilateral e prejudicou a minha fala. Möebius afeta os
nervos cranianos responsáveis pela mímica facial e pela boa dicção (entre outras coisas). Também em
decorrência da síndrome, nasci com má formação no braço esquerdo e na perna
direita (resultando na ausência da mão esquerda e do pé direito), prejudicando
também, em diferentes graus, a força muscular dos quatro membros. Ufa! Acho que tirei um enorme peso da minha alma agora! Quando eu falava sobre a minha deficiência, evitava ao máximo usar o termo Möebius. Por quê? Porque, ao pesquisar no Google sobre o que tenho, recebi alguns resultados bem... deprimentes. Alguns sites dizem que a minha síndrome é bizarra, é horripilante, é sinistra. Ao que parece, ter estrabismo, epicanto nos olhos, dentes um pouco desalinhados e uma boca esteticamente diferente é bizarro, é horripilante. Não queria que as pessoas fossem procurar a respeito do que tenho e dessem de cara com esses resultados. Eu não quero ser vista como bizarra, embora alguns seres me considerem assim. E é por isso que evitei por esse tempo todo escrever a palavra Möebius.
No entanto, eu tenho Möebius. Möeeeeebius. Möebiiiiiius. Möebiuuuuus. Por que esconder? Afinal, não é tudo que eu sou, apenas faz parte de quem eu sou. Foram-se os dias que os olhares curiosos, assustados ou perturbados por causa da minha aparência física me incomodavam ao ponto de eu querer chorar e me enfiar numa caverna e nunca mais sair de lá. Foram-se os anos que eu não saia de casa com medo da reação das pessoas ao me verem na rua. Foram-se os tempos que Möebius fazia com que eu criasse barreiras entre mim e o mundo. Foram-se para sempre, amém.
No auge dos meus 25 anos, posso dizer que cresci muito. Hoje, passa o seguinte pensamento pela minha cabeça: as pessoas sempre vão me olhar diferente num primeiro momento. Afinal, a minha aparência é incomum nesse mundo plastificado, de rostos cheios de botox, de bundas e peitos siliconados. Por que a opinião de pessoas que eu não conheço e que muito menos me conhecem deveria me incomodar tanto a ponto de eu ter vergonha de quem eu sou? Bobagem das maiores que há no mundo!
Mais uma confissão. Ainda não me amo como deveria. Há dias em que gostaria de ter um rosto esteticamente bonito, dentro dos padrões de beleza vigentes. Entretanto, aprendi a me respeitar e a reconhecer as minhas qualidades e, especialmente, a parar de me depreciar, coisa que fazia frequentemente anos atrás.
Se eu tivesse que resumir como é ter Möebius, seria mais ou menos assim:
Ter a síndrome de Möebius não é maravilhoso, mas também não é o fim do mundo. Na verdade, Möebius nos dá a chance de descobrir grandes valores. Entre eles, é que o que vemos não é mais que uma casca. O essencial é invisível aos olhos. Sorrir ultrapassa o ato de esticar os lábios e mostrar os dentes. Eu não consigo sorrir com a face, mas todos os dias gargalho adoidado por aí com as coisas loucas que faço e que a vida me faz passar. O meu sorriso mora no rosto daqueles a quem faço bem e que me fazem bem também. Minha voz é enrolada, mas ainda assim falo português e, com jeito, dá pra compreender. Então, meus amores, o que tenho a temer? Nada!
Levou tempo pra eu entender isso, e levou muito mais tempo pra que eu conseguisse praticar isso. Mas, no frigir dos ovos, isso importa? O que vale é que agora estou aqui, na estrada da vida, voando sobre as rodas do meu possante alucinado, aproveitando o que de bom a vida tem a oferecer, distribuindo risos, compartilhando com os transeuntes o que de melhor há em mim.
A vida é isso: viver (de preferência, sem medo; ou, ainda, superando os medos). Afinal, “o perigo existe, faz parte do jogo. Mas não fique triste, que viver é fogo. Comece de novo...”, bem diziam Vinícius e Toquinho. Eu que não sou besta de não dar ouvidos a eles!
Agora, para ilustrar esse post, quero deixar aqui uma foto bem marcante. Foi a primeira vez que vi pessoas com a mesma síndrome que eu. Na foto, Amanda, Gabriel e Julia (uma intrusa no meio dos esquisitos). A Amanda, inclusive, publicou um livro que conta um pouco da síndrome e que também traça como foi a sua vida até o momento em que o escreveu. O Gabriel é um rapaz muito louco, que detesta fotos e sempre revira os olhos ou faz algo bem tosco pra ferrar a foto. E escreve muito bem, à la Buk, essa é a parte que vale frisar.
Por fim, acessem o site da Associação Möebius do Brasil - AMOB e conheçam mais sobre esse mundo inexplorado das criaturas moebitas, injustamente (?) chamadas de bizarras.
Dedico esse texto aos meus amigos moebitas (forma meiga que achamos de nos chamarmos) e aos seus familiares.
Estamos juntos nessa longa e louca estrada da vida!
No auge dos meus 25 anos, posso dizer que cresci muito. Hoje, passa o seguinte pensamento pela minha cabeça: as pessoas sempre vão me olhar diferente num primeiro momento. Afinal, a minha aparência é incomum nesse mundo plastificado, de rostos cheios de botox, de bundas e peitos siliconados. Por que a opinião de pessoas que eu não conheço e que muito menos me conhecem deveria me incomodar tanto a ponto de eu ter vergonha de quem eu sou? Bobagem das maiores que há no mundo!
Mais uma confissão. Ainda não me amo como deveria. Há dias em que gostaria de ter um rosto esteticamente bonito, dentro dos padrões de beleza vigentes. Entretanto, aprendi a me respeitar e a reconhecer as minhas qualidades e, especialmente, a parar de me depreciar, coisa que fazia frequentemente anos atrás.
Se eu tivesse que resumir como é ter Möebius, seria mais ou menos assim:
Ter a síndrome de Möebius não é maravilhoso, mas também não é o fim do mundo. Na verdade, Möebius nos dá a chance de descobrir grandes valores. Entre eles, é que o que vemos não é mais que uma casca. O essencial é invisível aos olhos. Sorrir ultrapassa o ato de esticar os lábios e mostrar os dentes. Eu não consigo sorrir com a face, mas todos os dias gargalho adoidado por aí com as coisas loucas que faço e que a vida me faz passar. O meu sorriso mora no rosto daqueles a quem faço bem e que me fazem bem também. Minha voz é enrolada, mas ainda assim falo português e, com jeito, dá pra compreender. Então, meus amores, o que tenho a temer? Nada!
Levou tempo pra eu entender isso, e levou muito mais tempo pra que eu conseguisse praticar isso. Mas, no frigir dos ovos, isso importa? O que vale é que agora estou aqui, na estrada da vida, voando sobre as rodas do meu possante alucinado, aproveitando o que de bom a vida tem a oferecer, distribuindo risos, compartilhando com os transeuntes o que de melhor há em mim.
A vida é isso: viver (de preferência, sem medo; ou, ainda, superando os medos). Afinal, “o perigo existe, faz parte do jogo. Mas não fique triste, que viver é fogo. Comece de novo...”, bem diziam Vinícius e Toquinho. Eu que não sou besta de não dar ouvidos a eles!
Agora, para ilustrar esse post, quero deixar aqui uma foto bem marcante. Foi a primeira vez que vi pessoas com a mesma síndrome que eu. Na foto, Amanda, Gabriel e Julia (uma intrusa no meio dos esquisitos). A Amanda, inclusive, publicou um livro que conta um pouco da síndrome e que também traça como foi a sua vida até o momento em que o escreveu. O Gabriel é um rapaz muito louco, que detesta fotos e sempre revira os olhos ou faz algo bem tosco pra ferrar a foto. E escreve muito bem, à la Buk, essa é a parte que vale frisar.
Caso tenham dificuldade em me identificar na foto, sou a mocinha doce de camiseta adidas cinza com listras laranja
Dedico esse texto aos meus amigos moebitas (forma meiga que achamos de nos chamarmos) e aos seus familiares.
Estamos juntos nessa longa e louca estrada da vida!
Erica Ferro